Correio dos Campos

Jovem perde parte do intestino após 15 anos de diagnósticos errados

23 de maio de 2020 às 09:26
Karoline passou por anos de dor e consultas com ginecologistas para descobrir a doença — Foto: Arquivo pessoal/Karoline Gomes

G1 – “Desde a primeira menstruação eu sentia muita dor. Não sei como eu vivia”. A história da jovem Karoline Gomes, de 26 anos, nascida em Guarujá, no litoral de São Paulo, com a endometriose, não é nada fácil. Entre internações, dias de cama e dores muito fortes nos períodos menstruais, a jovem ainda teve de lidar com a perda de parte do intestino e da bexiga, por conta da doença, que demorou cerca de 15 anos para ser descoberta.

A endometriose é uma doença provocada por células do tecido da parede interna do útero – chamada de endométrio – que em vez de serem expelidas durante a menstruação, refluem para dentro do útero novamente, caindo nos ovários ou na cavidade abdominal, conforme explica o especialista em endoscopia ginecológica e endometriose Guilherme Karam.

O diagnóstico veio depois de muito insistir, conforme relatado por ela, pois os sintomas eram tratados como normais pelos médicos. A saga de Karoline para descobrir o problema começou quando ela era bem nova, aos nove anos, quando menstruou pela primeira vez.

“A gente vê as meninas menstruando com 14 ou 15 anos. Desde a primeira eu sentia muita dor e não sabia de onde vinha. Ainda na fase da infância ficava de cama mesmo”, relata. Os anos passaram e os sintomas ficaram cada vez mais intensos. Entre a rotina exaustiva de dor nos ciclos menstruais, ela tentou fazer alguns tratamentos, recomendados pelos médicos, no entanto, eles não traziam resultados. “Ficava um ou dois períodos sem dor, mas logo depois a dor voltava”.

A jornalista se consultou com diversos ginecologistas em Guarujá, que sempre insistiam em dizer que os sintomas eram comuns da menstruação e que logo passariam. Quando foi morar em São Paulo, ela resolveu continuar com a saga por um diagnóstico que pudesse tratar o problema.

“Eu estava meio que desistindo de novo, porque, enfim, era aquela coisa cansativa. Foi aí que uma moça que trabalhava comigo comentou por alto que uma amiga dela havia acabado de descobrir que estava com endometriose e que pegaria o contato da médica. Eu fui nessa médica e falei que tinha suspeita de endometriose. Como ela já tinha vindo dessa indicação, me senti mais aberta para falar sobre isso, sem ela me achar louca”, comenta Karoline.

A descoberta
Após a consulta, a médica pediu alguns exames, entre eles uma ressonância magnética da pelve, além de um exame de sangue específico, que calcula o nível do endométrio. Os dois apontaram a doença, “No corpo do uma mulher saudável teria nível 30 de endométrio. No meu era mais de 100, estava muito alto”, afirma. No momento em que informou o diagnóstico, a profissional imediatamente informou que a situação de Karoline era muito grave.

“Na hora, eu levantei e abracei ela, de tão feliz que fiquei em saber que eu tinha alguma coisa, que eu de fato não estava pirando e eu podia tratar, por mais que já tivesse em um nível muito grave”, relata. A partir da comprovação, Karoline começou uma nova caçada: a procura por um cirurgião especializado em endometriose.

O médico foi encontrado em Santos e, em alguns meses, a jornalista começou a se preparar para realizar um procedimento cirúrgico chamado laparoscopia. “É uma incisão com uma câmera. Essa cirurgia não é tão invasiva. A partir disso, eles removem focos da doença’, explica. Depois da cirurgia, o médico comentou sobre um pequeno foco no intestino e sobre a recuperação das trompas, que poderia ser feita por meio de um tratamento com um remédio.

“Esse médico meio que vacilou comigo. Ele viu a minha situação e começou a falar sobre a fertilidade e conversou com o meu marido. Eu já tinha falado que eu não gostaria de ser mãe”. Com o novo tratamento, ela teve vários efeito colaterais, como hemorragia e os sintomas de sua depressão acabaram mais intensificados.

A medicação não teve o efeito esperado e, depois de uma hemorragia, ela foi novamente internada, onde descobriu que existiam vários focos da doença em seu intestino. “Esse focos perfuraram o meu intestino. Eu sentia muita dor no reto, na coluna, nas pernas e tive infecção urinária”. Ela teve de passar por mais um cirurgia, desta vez, de emergência, para remover as trompas, dois centímetros do intestino e três da bexiga.

“Eu vi todo o tipo de mulher tendo a sua dor diminuída pelos médicos. Eu tenho um privilégio muito grande de ter trabalhado com mulheres que entendiam a situação. Era uma questão de qualidade de vida. Sabe, depois de tudo isso, as minhas queixas finalmente foram validadas”.

Hoje, ela compartilha sua história por meio das redes sociais, onde procura levar conteúdo para que outras mulheres possam ser diagnosticas e acolhidas. “Acima do médico, é você que conhece o seu próprio corpo”, finaliza.

A doença
O médico Guilherme Karan explica que, nos últimos anos, há uma tendência de aumento da doença por conta dos hábitos da mulher contemporânea. O que pode levar a pré-disposição a doença são fatores hereditários. Isso pode se intensificar com a influência de externos, como stress, péssimos hábitos alimentares e a poluição da cidade.

A demora no diagnóstico ele atribui ao estigma de que no período menstrual é comum sentir dor. “É até um certo machismo imbuído, no sentido de que é normal a mulher sentido dor. Tem até gente que fala que quando tiver filho passa. Muitas vezes os sintomas não são valorizados, inclusive pelos próprios médicos”, informa.

Ele conta que os profissionais costumam fazer uma escala analógica de dor menstrual. Se essa dor passa de cinco ou seis, já é motivo para ficar atento. Principalmente, se ela não passa com medicamentos comuns para cólica.

“Outra característica apontada é quando essa dor menstruar tem caráter progressivo. Ou seja, se passa mês a mês, ano a ano, ela fica mais intensa. Isso também chama a atenção”, finaliza.