Correio dos Campos

Família Acolhedora – conheça o serviço que oportuniza cuidado e proteção familiar a crianças e adolescentes afastados de suas famílias

30 de abril de 2024 às 15:36
(Foto: Divulgação)

COM ASSESSORIAS – O Brasil tem atualmente 33.520 crianças e adolescentes afastados de suas famílias, de forma temporária ou permanente. No Paraná esse número é de 3.232, sendo que 136 deles estão em acolhimento há mais de três anos. Inicialmente, ao serem afastados de seus lares por situações relacionadas por exemplo, a violência, uso de drogas ou negligência, as crianças e adolescentes são encaminhadas, por determinação judicial, a abrigos institucionais, onde permanecem por um período de tempo, até serem reintegrados à sua família natural ou família extensa, ou família substituta por meio da adoção.

Previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o serviço de acolhimento ‘Família Acolhedora’ é uma medida de proteção, alternativa ao acolhimento em instituições, por meio do qual crianças e adolescentes, afastados de suas famílias, são inseridos novamente em contexto familiar, em ambiente seguro e de maneira afetuosa, até a chegada do momento em que retornarão para seu lar, ou serão encaminhados para adoção.

Enquanto acolhe a criança ou adolescente, ou mesmo grupos de irmãos, a família terá o termo de guarda, passando a ser responsável pelos mesmos, tendo autonomia, autoridade e responsabilidades inerentes ao cuidado, desenvolvimento e proteção dos acolhidos, assim como ocorre quando se tem filhos. Manter e acompanhar os acolhidos na escola, fazer acompanhamento médico, inseri-los na convivência familiar e círculo de amigos são funções e possibilidades que as famílias acolhedoras passam a ter. A função desse serviço de acolhimento é proporcionar para as crianças e adolescentes a continuidade de seu desenvolvimento, em ambiente familiar.

Além disso, a família passa a ter a incumbência de auxiliar no processo de reintegração na família de origem dos acolhidos ou de inserção na família adotiva, com chamadas de vídeo, por exemplo, e repassando à equipe técnica do serviço, informações sobre a convivência com as crianças e adolescentes, inclusive dificuldades que venham a surgir durante o acolhimento familiar. Caso haja pessoa interessada na adoção, a família acolhedora contribui com o processo e aproximação entre os acolhidos e pretendentes à adoção. E, durante todo tempo de acolhimento, acolhedores e acolhidos são acompanhados pelos profissionais, assistente social e psicólogo, assim como ocorre com crianças e adolescentes acolhidos em instituições.

Durante todo o tempo de acolhimento, a família recebe bolsa-auxílio no valor de um salário mínimo por mês, a cada criança e/ou adolescente acolhido. “A bolsa é uma contrapartida, que viabiliza a prestação do serviço pela família acolhedora, que promoverá a continuidade do cuidado e desenvolvimento de crianças e adolescentes acolhidos em ambiente familiar, explica o psicólogo do programa Eduardo Loyola Ferreira Silva. A bolsa destina-se ao custeio das despesas da criança ou adolescente.

O processo para definição sobre a volta da criança para a família biológica, ou sua destinação à adoção deve ser concluído em no máximo um ano e meio, ou seja, o tempo de acolhimento não deve ultrapassar esse período. Porém, se durante o acolhimento existirem adversidades ou mesmo haja dificuldade na adaptação, tanto da criança ou adolescente como da família, o acolhimento pode ser interrompido antes do prazo pré-determinado. Todo processo deve ser feito com a supervisão dos profissionais responsáveis pelo serviço no município.

Crianças e adolescentes afastados da convivência familiar podem ser acolhidas por meio do serviço em qualquer idade, de zero a 18 anos, e, a lei municipal prevê que o jovem possa permanecer acolhido até os 21 anos, e a família acolhedora continua recebendo normalmente o auxílio. Caso atinja a maioridade enquanto estiver acolhido, o jovem receberá o mesmo suporte que receberia se estivesse em abrigo institucional, para que ocorra inserção social como adulto, com autonomia. “A equipe vai amparar esse jovem, antes mesmo de ele chegar aos 18 anos, auxiliando-o para o resgate de vínculos com pessoas com quem convivia antes, procurando identificar na família de origem pessoas que possam apoia-lo, estimulando a continuidade dos estudos e o inserindo em capacitações profissionais, em geral, preparando-o para que tenha mais autonomia. A família acolhedora, inclusive, poderá auxiliar em todo esse processo e poderá ser referência para esse jovem”, explicou o psicólogo.

Acolhimento não pode evoluir para adoção

É importante esclarecer que o acolhimento não pode evoluir para uma adoção, e famílias ou pessoas que estejam no Sistema Nacional de Adoção (SNA) também não podem ser habilitados como Família Acolhedora. “A família que acolhe precisa estar ciente de que trata-se de um serviço de acolhimento temporário, e, caso tenha interesse em adotar, precisa deixar de fazer parte do serviço e cadastrar-se como postulante à adoção. A adoção só vai ocorrer quando a família estiver devidamente cadastrada e habilitada no Sistema Nacional de Adoção”, explica Damisa Martins Gomes, coordenadora do programa em Castro.

Como e quem pode ser Família Acolhedora?

Conforme explica a assistente social do programa Pamela Caroliny Endler Ruthes, para tornar-se Família Acolhedora, responsáveis pelo processo e, consequentemente, pelos acolhidos durante a prestação do serviço de acolhimento, precisam ser maior de idade, ter disponibilidade de tempo e o desejo de assumir os cuidados com criança e/ou adolescente pelo tempo que durar o acolhimento.

O primeiro passo para a família que deseja tornar-se acolhedora é o cadastro junto a equipe técnica do serviço no município. Deve ser feito na sede do CREAS Aconchego, na Rua Alcebiades Marques de Souza, n 1059, Morada do Sol. Também é possível informar-se pelo e-mail [email protected] ou pelo telefone (42) 2122-5521.

Após realizado o cadastro, a família fará a entrega da documentação exigida, que inclui, por exemplo, certidão negativa de antecedentes criminais dos membros da família e documentos pessoais. Em seguida, a família irá participar de um curso de capacitação, e depois, passar pelo processo de habilitação social e psicológica.

A experiência de ser Família Acolhedora

Moradora da Colônia Maracanã, a família da professora aposentada Teresa Zagrobelny Marinho guarda nas lembranças e nos registros mais afetuosos a experiência “incrível”, conforme ela mesma descreve, de ser Família Acolhedora. No seu lar já ficaram acolhidos dois grupos de irmãos, primeiro dois meninos de quatro e de cinco anos de idade, e depois um casal, de 7 e de 10 anos.

“Um dos motivos pelo qual eu quis me cadastrar no programa foi a falta da alegria das crianças que eu senti quando me aposentei. Fui professora na rede municipal por 29 anos, e quando a aposentadoria aconteceu, me deparei com uma falta da presença dos meus alunos, que eu nem imaginei que seria tão forte”, descreveu.

Teresa conta que conheceu o programa ainda na escola, quando dava aula para crianças que encontravam-se acolhidas institucionalmente, algumas delas teriam sido adotadas por uma amiga. “Quando saí da escola conversei com meu esposo sobre a vontade de me dedicar a essas crianças, que precisam tanto de atenção, cuidado, carinho e amor, e ele topou”, destacou.

Logo depois da habilitação da família de Teresa, aconteceu o primeiro acolhimento, depois que duas crianças foram afastadas da família de origem. “Os irmão acabaram vindo para nossa casa e ficaram conosco durante um ano e dois meses, depois foram adotados por uma família de cidade vizinha, cujos pais acabaram se tornando nossos amigos, hoje frequentam nossa casa com os meninos, e quando vêm aqui, é uma verdadeira festa”, relata a professora aposentada.

Quando são habilitadas para o serviço de acolhimento, as famílias recebem todas as orientações inerentes ao retorno da criança e adolescente para família de origem ou encaminhamento para família adotiva ao fim do período de acolhimento. Para Teresa, esse momento foi desafiador, mas ela e os familiares souberam conduzir a situação para que a experiência fosse a melhor possível para as crianças acolhidas. “A adoção deles foi uma mistura de sentimentos, pois no momento em que senti o vazio pela falta das crianças, eles foram a minha mais preciosa companhia, mas quando fiz o cadastro ficou muito claro que se quisesse adotar, eu teria que entrar na fila da adoção, e que enquanto família acolhedora precisávamos trabalhar com as crianças no dia a dia, mostrando como é viver em família, com cuidado, atenção, carinho e amor, e até sobre os perrengues que precisamos enfrentar, sem desistir, mas tínhamos a consciência de que em alguma momento eles deixariam de morar em nossa casa. Mas a experiência foi incrível, e a convivência com as crianças nos ensinou muita coisa, todos os dias estamos em processo de aprendizagem”, destaca.

Ao serem informados sobre a família que pretendia adotar os meninos, Teresa e seus familiares começaram a preparar as crianças, orientando-os e os apoiando para iniciarem a nova fase. “Como não conheciam seus pais adotivos, os meninos sofreram um pouco no início, existia certa resistência, mas aos poucos fomos inserindo esse assunto no dia a dia deles, com apoio de toda família. Explicamos a eles que eles passariam a ter uma família definitiva, que teriam a possibilidade de ter mais irmãos, e de voltarem a nos visitar com a sua nova família, que continuaríamos a ser seus padrinhos e que não precisávamos perder o contato, e, a adoção aconteceu com sucesso, hoje são crianças amorosas e educadas, inseridas numa família”, explica Teresa.

A segunda vez que prestaram o serviço de acolhimento ocorreu em 2020 e foi mais desafiadora para a família Zagrobelny, pois os irmãos acolhidos vinham de um histórico de violência familiar. “O trabalho com eles dois foi de muita dedicação, precisavam de muito amor, carinho e diálogo. Quando vieram para nossa casa, já sabiam que seriam adotados um dia, e que não retornariam para a família de origem. Aprendemos tanto com eles, eram muito comunicativos, em algumas de nossas conversas, choramos juntos, ouvindo relatos de situações pelas quais tinham passado. Eles também foram adotados, por uma família que vive distante, mas também mantemos contato. Nos deixa muito felizes saber que estão bem e felizes, hoje eu sei que eles têm o que nunca tiveram antes, um lar, uma família e cuidados, todos estão em minhas orações diárias, para que cresçam felizes e amados, que possam esquecer as coisas ruins pelas quais passaram”, ressaltou.

Teresa conta ainda que ela e sua família chegaram a ser desencorajados a entrarem para o serviço, mas o desejo de contribuir com o desenvolvimento e com a proteção de crianças e de adolescentes que foram afastados de suas famílias falou mais alto. “Ouvi muitos comentários, me chamaram de louca por querer acolher essas crianças, sabendo que me apegaria e que depois teria que entrega-las a outra família, mas eu compreendo que ajudar esses pequenos indefesos só nos engradece, eles nos ensinam muito, sobre como ser uma pessoa melhor todos os dias, além disso, o serviço ainda ensina as crianças a amar o próximo e a ter empatia”, finalizou.