Correio dos Campos

Pode ou não pode? Cuidados na primeira infância pela abordagem Pickler

* Por Mônica Carniel Marques - Professora de Música no Colégio Marista de Maringá (PR); Andreia Cristine Pacheco é professora no Colégio Marista de Maringá (PR)
12 de setembro de 2019 às 18:00
(Divulgação)

Atualmente, muito se tem buscado sobre temas relacionados aos cuidados da criança na primeira infância, fase que vai do nascimento até os seis anos. Este período tão importante no desenvolvimento infantil aparece cada vez mais nas mídias sociais, e faz com que pais e professores voltem ainda mais seus olhares a ele. Permitir que a criança se desenvolva em seu próprio ritmo, um dos assuntos que têm aparecido nos meios digitais, é um dos princípios da abordagem Pikler, criada pela médica húngara Emmi Pikler. O método se apoia em pilares que valorizam a atividade autônoma da criança, em momentos fundamentais da educação infantil.

A abordagem Pickler provoca uma série de inquietações pois, em geral, nossa cultura tem uma visão diferente sobre como tratar as crianças. Em seus estudos, a médica observou, por exemplo, que crianças que corriam pelas ruas, subiam em árvores e brincavam livremente tinham menos acidentes do que aquelas que viviam em ambientes superprotegidos, com regras e repletos de ‘não pode’. Com isso, ela concluiu que crianças que brincavam livremente são mais prudentes e sofrem menos acidentes do que as que são cheias de restrições e que, devido às limitações motoras, se machucam com mais facilidade.

Apareceu então a seguinte pergunta na mente pensante de Emmi Pikler: até que ponto é necessária a intervenção dos adultos no desenvolvimento motor infantil? A médica pôde confirmar as suas observações depois de assumir a direção de uma instituição para crianças órfãs, criada por ela em 1946. O instituto Lóczy se tornou uma referência, pois com a metodologia Pickler, as crianças mostraram-se emocionalmente seguras, tranquilas e com um ótimo desenvolvimento motor.

O primeiro estágio de vida é considerado, segundo a neurociência, o período de mais plasticidade neural no desenvolvimento humano. Essa é a fase que representa a maior capacidade do sistema nervoso de mudar ou de se adaptar, assim como de estar exposto a diferentes experiências ou novos estímulos. Depois, a pessoa não terá mais a mesma capacidade de aprendizagem. Por isso, é extremamente importante investir em uma educação de qualidade na primeira infância, que tenha como prioridade o ensino e o cuidado.

De acordo com as pesquisas de Emmi, os bebês mudam de posição uma vez por minuto. Eles têm um impulso natural para se movimentarem e assim, mesmo de forma desordenada (sem controle dos movimentos), vão tomando posse do seu tônus muscular, permitindo o desenvolvimento de novas habilidades motoras. Quando se move, o bebê está conhecendo seu corpo e descobrindo suas capacidades e possibilidades. De acordo com Emmi, “a criança que chega a algo por seus próprios meios adquire mais conhecimentos de outra natureza do que aquela que recebe a solução totalmente elaborada”.

Assim, os sete primeiros anos da nossa vida são importantíssimos e requerem atenção especialmente em quatro sentidos considerados básicos, que nos informam sobre nosso corpo, nossos limites, nosso equilíbrio e o que é vital para a nossa sobrevivência. São eles:

O sentido do tato, que nos proporciona os limites do ‘eu’, o entendimento do nosso corpo, como também a percepção do outro. O tato também desenvolve a segurança e a confiança. Por isso, desde pequeno o bebê precisa ser tocado e acariciado e ter a oportunidade de manipular objetos. Com isso, diminuem as chances de ele apresentar dificuldades de relacionamentos e medos no futuro.

Já o sentido do movimento nos faz aprender sobre nosso corpo e nossos movimentos, nos ajudando a tomar posse do que é nosso. Neste sentido, é importante perceber os movimentos musculares e quais se movem de acordo com meus desejos e minhas vontades. Esse sentido nos revela a sensação de liberdade, nos permite sentir alegria e acolhimento. Sem o movimento, a criança pode ter problemas de linguagem, tristeza, dificuldades no aprendizado e até mesmo depressão. E muitas vezes não deixamos as crianças se movimentarem como necessitam, com receio de elas se machucarem.

Tão importante quanto o sentido do movimento é o do equilíbrio, que nos revela a relação do nosso corpo com o espaço, ou seja, se estamos localizados à direita, à esquerda, em cima ou embaixo. O equilíbrio nos traz autonomia e calma e a falta dele pode provocar dislexia, disgrafia e até mesmo discalculia. O quarto, e não menos importante, é o sentido vital. Este nos mostra qualquer sinal de alteração no corpo e no organismo, nos faz perceber quando estamos com fome, sono e dor. Sem ele, teremos dificuldade de perceber até mesmo a dor do outro.

Emmi Pikler dizia que “toda criança é boa e competente”. Desta forma, basta olharmos para esse pequeno ser que nos é confiado acreditando que ele pode, e deve, se desenvolver naturalmente e individualmente. Isso significa valorizar todas as qualidades possíveis, percebendo que o seu tempo de criança é diferente do tempo de nós, adultos. Para finalizar, uma frase potente da pediatra e ex-diretora do Instituto Pikler, Judit Falk: “Não se pode prometer mais do que se pode dar, mas o que se dá deve ser estável e seguro”.