Correio dos Campos

Presidente Bolsonaro, não junte meio ambiente e agropecuária num único ministério

* Por Braulio Ferreira de Souza Dias - Professor adjunto de ecologia da Universidade de Brasília, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, ex-Secretário Executivo da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica, ex-Secretário Nacional de Biodiversidade e Florestas no Ministério do Meio Ambiente, vice-presidente do conselho da Bioversity International
13 de novembro de 2018 às 18:00
(Divulgação)

Agropecuária e meio ambiente são duas agendas prioritárias e estratégicas para o Brasil. O Brasil é reconhecido nacional e internacionalmente pela pujança de sua natureza e recursos naturais e pela excelência da sua agropecuária. Somos reconhecidos como campeões mundiais de conservação da natureza e da biodiversidade e da produção de alimentos. O mundo inteiro olha para o Brasil como solução para a segurança alimentar da crescente população mundial, para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas (com captura de carbono em reflorestamentos e restauração de ecossistemas degradados e com uso de recursos genéticos para o desenvolvimento de novas cultivares e raças domesticadas adaptadas) e para a manutenção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos associados. As duas agendas oferecem enormes oportunidades para o Brasil.

O Brasil se diferencia dos demais países por ser o campeão mundial em biodiversidade (número 1 entre os países megadiversos), campeão mundial em água doce junto com o Canadá, detentor da maior floresta tropical do mundo (a floresta Amazônica), detentor da maior área de solos agricultáveis nos trópicos etc. Os cuidados com o meio ambiente no Brasil não podem, portanto, nivelar-se por baixo com aqueles de outros países que não possuem estas riquezas. Estas riquezas representam tanto responsabilidades como oportunidades.

O Brasil possui boa legislação e políticas ambientais e agrícolas e tanto o seu meio ambiente como sua agropecuária se beneficiam de sólida base científica (o Brasil é responsável por cerca de 10% da pesquisa científica mundial sobre agricultura tropical e por cerca de 10% da pesquisa científica mundial sobre biodiversidade e conservação, apesar de em média só contribuir com 2% da pesquisa científica mundial em todas as áreas da ciência). Aliás, biodiversidade, agropecuária e biotecnologia juntos têm alto potencial de agregação de valor à pauta de exportação brasileira e gerar empregos e renda!

Apesar de parecer para os leigos que as políticas de agropecuária e de meio ambiente no Brasil estejam frequentemente em conflito, isso não procede – na sua maior parte essas políticas apoiam-se e beneficiam-se mutuamente. Destaque-se que as políticas e ações de conservação concentram seus esforços na região Amazônica enquanto que as políticas e ações da produção agropecuária concentram-se nos demais biomas brasileiros. Mas não se pode fazer nada no setor agropecuário sem água, solos férteis, recursos genéticos, polinizadores, agentes de controle biológico de pragas e doenças, agentes biológicos responsáveis pela ciclagem de nutrientes nos solos, redução dos efeitos de eventos climáticos extremos (como secas e enchentes) promovidos pelas florestas e áreas úmidas. Por outro lado, não alcançaremos a conservação da biodiversidade e redução do aquecimento global sem a contribuição da agropecuária.

Faz sentido, portanto, que meio ambiente e agricultura trabalhem cada vez mais de forma sinérgica. Mas existem poucos exemplos de países que tratam destas duas agendas em um mesmo ministério – o Reino Unido sendo o principal exemplo. Mas comparar a complexidade e dimensão destas agendas no Brasil com a situação no Reino Unido, que me desculpem meus amigos britânicos, é totalmente inapropriado.

Considero que seria um grande erro fundir os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura e Pecuária no novo governo especialmente porque a agenda ambiental é muito mais ampla que suas relações com a agropecuária. O Ministério do Meio Ambiente e seus cinco institutos vinculados (IBAMA, ICMBio, SFB, JBRJ e ANA) atuam na interface com muitos setores além da agropecuária, incluindo saúde, energia, mineração, petróleo e gás, indústria, infraestrutura, transporte, saneamento e oceanos. A inclusão da agenda ambiental dentro de um mesmo ministério para tratar da agenda agropecuária seria um grande dreno das energias e atenções que deveriam ser dedicadas à promoção da produção agropecuária e de igual modo a necessidade de atenção à agenda agropecuária limitaria grandemente a atenção que deveria ser dada à agenda ambiental.

Não consigo imaginar um ministro responsável pela política agropecuária no Brasil tendo que dedicar grande parte de seu tempo para cuidar de questões, emergências e desastres ambientais nos setores de saúde, energia, mineração, petróleo e gás, indústria, infraestrutura, transporte, saneamento e oceanos. Mesmo se for um super-herói, dificilmente este ministro será lembrado no futuro como um bom ministro, seja de Meio Ambiente seja de Agricultura!

Certamente, ambas as agendas têm de ser aperfeiçoadas continuamente, mas o melhor caminho para promover tais aperfeiçoamentos certamente não seria a fusão das duas pastas e sim a promoção de políticas públicas melhores coordenadas e a priorização dos instrumentos de políticas públicas que necessitam revisão. A fusão das duas pastas num único ministério representaria um grave risco de retrocesso para duas agendas estratégicas nas quais o Brasil é reconhecido amplamente como campeão! Por que correr estes riscos? O custo certamente será maior que eventuais economias e benefícios.